Para celebrar os 15 anos do "Teatro na Justiça" em alto e bom nível, o Centro Cultural do Poder Judiciário (CCPJ) traz o grandioso espetáculo de Friedrich Dürrematt, "A visita da Velha Senhora", com uma formação colossal, acabamentos de cenários e figurinos impecáveis, oferecendo um teatro de arena da forma mais clássica e Burlesca possível.
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Ao ingressar na sala pude perceber que o espaço ao centro era bem pequeno e fiquei me perguntando como eles conseguiriam apresentar uma peça de forma decente e de qualidade, com 12 atores, naquele espaço reduzido? A peça começou e todo o mágico e magnânimo toque dos deuses do teatro se fez presente e pude ter minha resposta plenamente respondida.
Aos cantos da sala encontram-se cabideiros com roupas penduradas e o ambiente possui reentrâncias nas quais parte do elenco consegue se ausentar e depois retornar muitas vezes, como outros personagens, por sinal isso é algo que ocorre alguns momentos com os atores chaves, que se dignificam de forma dinâmica e com uma presteza incomum a assumirem papéis pequenos, mas de suma importância ao andamento da história.
Silvia é o tipo de diretora que se atêm a pequenos detalhes, todas as minúcias para ela são fundamentais, coisas que poderiam passar incólumes e que eu nem teria a ousadia de perceber ou mesmo criticar. Percebi em uma determinada cena que a personagem da "vendinha" segurava em suas mãos um caderninho de anotações e que realmente é verdadeiro, com o nome do comércio e uma lista de nomes e valores, uma tabelinha muito bem feita e real, feita para a peça, fantástico isso.
Infelizmente o brasileiro sempre se queixa das coisas erradas e desvaloriza o que lhe é oferecido, as pessoas em conversas e rodas de amigos, muitas vezes reclamam dos altos preços cobrados pelos espetáculos teatrais e dizem que se fossem mais baratos iriam mais vezes, isso por parte é uma verdade, mas por outro lado, quando um espetáculo é gratuito, eles dizem que é algo sem graça, que não presta e que não vale a pena, isso sem nem se dar ao direito de assistir.
Ledo engano. Tudo nesse espetáculo é pensado e dirigido para que as pessoas possam encontrar o melhor do teatro, tal qual os grandes marcos gregos e romanos, as grandes apresentações modernistas e do auge do teatro brasileiro, toda uma dinâmica de interpretações vivas e marcantes. Os detalhes nessa peça são precisos e preciosos, nada ali é mal acabado ou feito com desleixo, pelo contrário, é uma obra artisticamente criada e finalizada, que se fosse em um outro teatro italiano, poderia ser cobrado, tranquilamente, preços exorbitantes, que os pagantes sairiam felizes e satisfeitos. Essa foi a intenção do CCPJ, oferecer o melhor ao público para celebrar um momento tão importante e grandioso de sua estrutura, como um belíssimo Centro Cultural.
Quando a peça começa, já podemos observar o requinte dos figurinos de Pedro Sayad, que com certeza foram resultados de um trabalho de pesquisa de qualidade. Os objetos cenográficos dispostos, posicionados e utilizados por José Dias, para a construção e desconstrução de cenas, é algo formidável, isso sem falar na iluminação muito bem criada e dirigida por Elisa Tandeta, que valoriza cada momento como se fossem o clímax da peça, assim como toda a sonorização existente.
Um detalhe que me chamou muita atenção é quando cenas são protagonizadas em uma floresta e os sons de bichos e plantas são feitos por atores camuflados com galhos em cena, ficou tão perfeita e tão delicadamente produzida, que se um dia resolverem substituir por sons gravados, tirarão o encanto dessas cenas. O aproveitamento pleno de toda a sala é algo que encanta. Cada espectador se sente participante da peça, pois os assentos acabam fazendo parte de alguma cena da peça, uma Igreja, a varanda da casa da velha senhora, a lojinha da cidade ou o tribunal. A peça pode ser vista por vários ângulos e com isso acabamos nos sentindo íntimos dos personagens e dessa forma observarmos proximamente as atuações dos atores em cena.
A história retrata a vingança, a amargura e a eterna vontade de se fazer justiça à duras penas. Uma mulher que foi escorraçada grávida de sua cidade devido a uma traição de seu amante em uma total irresponsabilidade e insensibilidade por parte dele. Ela teve que seguir em frente, como se fosse uma prostituta e passou por muitos obstáculos, até conseguir vencer na vida, se casando com milionários e juntando uma grande quantia. Quando ela resolve voltar à sua cidade, todos a aguardam com pompas e sorrisos. Mas será que a visita dessa velha senhora será boa? Pra quem será? Será que todos estão felizes? A vingança dela será ou não executada? Um texto muito bem criado com noções firmes de início, desenvolvimento e conclusão, bem cíclico e fechado.
Quem vive a Velha Senhora é a atriz Maria Adélia, de grande veia teatral em sua longa experiência de peças e trabalhos bem executados. Ela se mostra bem altiva e detentora de uma confiança e segurança bem digna de uma atriz de peso e competência. Seu talento, assim como sua psotura e aparência, nos remetem quase que instantaneamente à grande atriz Tereza Rachel. Adélia impregna a sua personagem com uma seiva de rancor e iniquidade, a coloca brilhantemente de forma orgulhosa e insensível acima de todos à sua volta. Sua genialidade em compôr essa mulher de sentimentos baixos e aniquiladores foi sensacional, seu tom é sempre alto e seu gestual é muito bem elaborado e finalizado.
Outro destaque na peça é, sem dúvida, o grande amante de seu passado, interpretado também de forma talentosa pelo ator Marcos Ácher. que de cena em cena desconstrói seu personagem a medida que ele vê que a cidade, que antes o adorava, começa a se afastar dele e querer que ele pague e seja punido por seus atos e consequências. Ele se vê sozinho e abandonado até mesmo por sua família e amigos próximos. No início ele é interesseiro, fingido e frio, quando se vê alvo de seus sentimentos, acaba se tornando mais humano, amedrontado e perturbado.
A peça também conta com uma interpretação de elogios de Rogério Freitas e seu brilhante Prefeito, mais preocupado em seus próprios ganhos e lucros e nem um pouco com o que essa grandiosa visita acarretará na cidade. Seu personagem é comedido e econômico em gestos e falas, talvez por isso ele se inclua de forma tão magnífica em cena, onde podemos contar mais com suas expressões e posicionamento, do que falas desnecessárias. Um ator de corpo e de expressões, como poucos se acham por aí afora. Sua presença é notada e centralizada mais em seus sentimentos externados por seu talento do que pelo que ele poderia falar.
Mas embora essa peça conte com esses três grandes trunfos, não diminui o enorme talento e capacidade que todo o elenco possui. Toda peça é assim, existem os protagonistas e os coadjuvantes, que sem eles nada poderia ser executado. Isso é observado e notado em "A Visita da Velha Senhora", todo o elenco se empenha para que o foco da narrativa seja passado com sucesso. Toda e qualquer vaidade de querer se fazer notar por meio de interpretações exageradas e por conta de egos exacerbados, não existe nessa peça, o que vemos é colaboração e uma engrenagem funcional onde a base de um texto forte é colocada em ação por todos os seus elementos.
Tal qual o açougueiro de André Frazzi, que embora seja um personagem de colocação pequena no texto, a atuação do ator é importante e imposta com sabedoria ao propósito desejado, tornando assim momentos de grandes cenas sempre que ele aparece. Já o jovem Pedro Lamim, embora de idade destoante e inferior quanto à maioria do elenco, soube aproveitar de forma inteligente sua participação na peça. Busca seu personagem já com bastante clareza de movimentos e entonações, aproveitando bem uma excelente direção e mostrando uma maturidade, que desse trabalho o empurrará para outros cada vez melhores. Anita Terrana atriz de grandes qualidades e experiências também é um trunfo da peça com sua dócil e maternal personagem, que mesmo interesseira, sabe demonstrar uma preparação teatral que faz sua personalidade realmente parecer desinteressada. A peça ainda tem em seu elenco atores de grande talento como: Sávio Moll, Eduardo Rieche, Paulo Japyassú, Laura Nielsen e Renato Peres, que dão um show de interpretação.
A apresentação conta com suaves momentos de trilhas sonoras executadas elegantemente e com um talento incrível do músico Pedro Messina, entoando de forma melódica todo o enredo da peça, com temas suaves, fortes, emotivos e marcantes. Por tudo isso escrito acima, é que posso afirmar que "A Visita da Velha Senhora" será um grande marco na história do Centro Cultural do Poder Judiciário. Um trabalho imponente, consistente e obrigatório para todo e qualquer ator ou grupo teatral assistir e dele tirar ótimas noções de interpretação, aproveitamento de espaço e direção.
Leiam agora o que os responsáveis por esse grandioso espetáculo falam de seus trabalhos, nessa montagem:
"É muito bom contar uma história tão bem escrita! Melhor ainda, fazendo um personagem difícil e complexo como o Alfredo Schill. Com certeza, um dos trabalhos mais instigantes da minha carreira. E o que dizer desta equipe? Amigos queridos, talentosos e divertidos! Entrar em contato com o mundo criado por Durrenmatt, com discussões tão pertinentes (a barbárie e o limite do ser humano), com profissionais como estes... É muito prazeroso, na certa!" (Marcos Ácher)
"Vejo o prefeito como o símbolo maior da falta de convicção dos valores humanistas - estaria ele lutando com seus conflitos internos até se corromper; ou trata-se de um dissimulado, fazendo valer as “várias faces do poder”? - questões que o tornam mais rico, dando mais oportunidade para o trabalho de ator." (Rogério Freitas)
"A Visita da Velha Senhora" é o meu segundo trabalho com Sílvia Monte no CCPJ, de modo que participei do projeto desde o comecinho, fazendo as leituras preliminares e chamando colegas para o elenco, que acabou ficando genial e com quem tenho muito orgulho de trabalhar. Durremmatt é um autor denso, que nos exige o equilíbrio entre o trágico e o cômico, entre a delicadeza e a ferocidade. E os personagens que me couberam, o Pároco e o aluado Hemelsberguer, são para mim um exercício delicioso." (Paulo Japyassú)
"Contar essa história com as palavras de Durrenmatt, só me faz entender melhor o que é preciso para um texto se tornar clássico. Os conflitos de personagens da distante Suíça da década de 50, ainda são pertinentes nos tempos de agora e nos apresenta figuras e tipos que são vítimas de seus próprios desejos e ambições. Orgulho-me de poder estar participando desse projeto e poder dar acesso livre a essa obra tão significativa." (André Frazzi)
"É muito gratificante e uma grande responsabilidade participar de uma montagem de Duhemat, dividindo o palco com tantos atores talentosos. Minha experiêcia em teatro sempre foi como músico, “protegido” atrás do meu instrumento, mas agora que tive a oportunidade de atuar e desenvolver um trabalho como ator, descobri uma nova paixão, fui muito bem recebido por toda equipe e esse apoio foi fundamental durante o processo." (Pedro Messina)
"Honrado. Assim é como me sinto. Ter a chance, no início da minha carreira, de montar um clássico do teatro mundial, trabalhando e trocando com atores tão generosos e experientes, sem dúvida é um presente indescritível. Na peça, tenho a oportunidade de conduzir quatro personagens, e assim, poder vivenciar por ângulos bem distintos as camadas pelo qual o autor vai dissecando os valores humanos, nos fazendo perguntar pelo o que realmente somos movidos. Quando assistimos ou lemos uma peça como essa, entendemos um pouco sobre a importância da arte na vida e o quanto ela é necessária para o nosso desenvolvimento."(Pedro Lamim)
"Eu acho Maravilhoso poder fazer esse personagem e acho ainda maravilhoso ele poder estar em cena durante seis meses. E ainda super maravilhoso de estar sendo subsidiada pelo Centro Cultural do Poder Judiciário que deve ser conhecido, e que o ingresso é gratuito para todos. É muito importante todos terem consciência de ver um espetáculo maravilhoso, com um super elenco e falado em português é lógico."(Maria Adélia)
"O processo desta montagem teve o encontro de vários aspectos positivos, a começar pelo texto inteligente, um clássico que aborda e critica o homem, seus pactos sociais e até quando permanecemos fiéis a nossos valores. Mérito de uma direção estudiosa, determinada e ousada por colocar 12 atores em cena, uma produção séria e competente e um elenco excelente de grandes atores do nosso teatro, que dá o maior prazer de contracenar!"(Sávio Moll)
"Já conhecia o trabalho da Silvia Monte e do Centro Cultura do Poder Judiciário. Tive oportunidade de assistir sua direção em o “Inimigo do Povo” que muito me agradou. Fique muito grata quando fui chamada para participar da montagem de "A Visita da Velha Senhora", participando desse projeto que é muito importante para o panorama cultural da nossa cidade. Na peça tenho a oportunidade de interpretar vários personagens que dimensiona meu exercício de atriz, principalmente por ser esse um texto extraordinário de Dürrenmatt, tão atual sobre o capitalismo e as tentações humanas que levam à corrupção, e também por estar numa equipe muito talentosa."
"Me sinto muito feliz em fazer Bobby, o mordomo de Claire Zahanassian, por ser um personagem enigmático e que, apesar de ter poucas falas, no decorrer da peça traz à tona grandes revelações sobre o conflito principal. Também estou adorando trabalhar com esse elenco adorável que sabe contar tão bem essa história tão bem escrita."(Renato Peres)
"Considero um privilégio participar da montagem de um texto clássico de tamanha qualidade. Para mim é um desafio delicioso a oportunidade de experimentar diversos papéis."(Laura Nielsen)
FICHA TÉCNICA
A Visita da Velha Senhora
Autor: Friedrich Dürrenmatt
Tradução: Mario da Silva
Direção e Adaptação: Sílvia Monte
Direção Musical: Marcelo Coutinho
Elenco: Maria Adélia, Marcos Ácher, Rogério Freitas, Eduardo Rieche, Paulo Japyassú, Sávio Moll, Laura Nielsen, Renato Peres, André Frazzi, Anita Terrana, Pedro Lamim, Pedro Messina (violonista).
Cenário: José Dias
Figurino: Pedro Sayad
Iluminação: Elisa Tandeta
Direção de Produção: Renata Blasi e Ana Paula Abreu
Realização: Centro Cultural do Poder Judiciário do Rio de Janeiro e Diretoria-Geral de Comunicação e Difusão do Conhecimento Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro
SERVIÇO
Temporada: de 2 de fevereiro a 29 de julho, de segunda a quarta-feira, às 19h
Local: Sala Multiuso – CCPJ-Rio / Antigo Palácio da Justiça
Endereço: Rua Dom Manuel 29, Centro, Térreo - Rio de Janeiro – RJ
Capacidade: 54 lugares
Duração do espetáculo: 120 minutos/ com intervalo de 10 minutos
Recomendação etária: 14 anos
Entrada franca com distribuição de senhas 30 minutos antes do início da sessão.
CCPJ-Rio
Telefones: (21) 3133-3366 / 3133-3368
Fotos: Marcelo Carnaval / Divulgação e Facebook dos atores
Por: João Loureiro Filho - CLIQUE AQUI e leia mais artigos de João Loureiro Filho
João é ator, cantor, mas descobriu-se crítico e aí sim viu que suas opiniões poderiam ajudar muitas pessoas a se decidirem e se descobrirem diante de assuntos dos quais ignoravam, desconheciam ou não davam importância. Participou ativamente de projetos de cinema e teatro, fez um blog de filmes temáticos LGBT. Em breve irá lançar um livro sobre como explorar bem Enredos Carnavalescos.