Sim, me utilizei desse trecho da música de Paulinho Moska, pois não conheço tradução melhor e mais fiel ao texto de Marcio Abreu, pois tudo acontece de uma forma tão intensa e ao mesmo tempo tão inesperada, que as vezes precisei tomar um fôlego extra, para poder concatenar todas as nuances dessa produção ímpar.
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Primeiramente não é fácil começar uma peça vendo três grandes atrizes juntas em um mesmo palco, pois fica difícil saber o que irá sair dali, ainda mais em um teatro tao envolvente, aconchegante e acolhedor como é o Poeira, tudo nos deixa sempre com uma ansiedade aflitiva, mas que logo nos primeiros minutos é sanada.
Três amigas, que têm planos pras suas vidas, carreiras e relacionamentos, se unem para falar e se despedir de uma amiga que suicidou-se, sem pedir ajuda, sem avisar ou mesmo dar um suposto sinal de que aquilo iria acontecer. Esse é o mote e o gancho dessa peça tão peculiar e distinta.
Com momentos de raiva, ira, loucura, medo, angustia, alucinações e devaneios, toda uma estrutura cênica é posta em ação, por meio de imitações (muito bem coreografas e ensaiadas), músicas, posicionamentos estratégicos e olhares ritmados e bem marcados.
Essa peça não é apresentada somente com um texto, figurino e cenário, ela é como um soco no estômago de quem acabou de tomar um litro de Coca-Cola gelada e um prato cheio de feijoada. É uma peça visceral, totalmente punk, onde o que voga não é a estrutura teatral comum e clássica, que vemos a todo instante, é uma peça de desconstrução constante, tanto de personagens, como de cenários, figurinos e concepções normais.
Posso também dizer que essa peça, é uma "Metamorfose Ambulante". Ela sofre mutações
constantes e sucessivas. É subversiva à tal ponto, que mesmo um roqueiro mais calmo e um
hyppie mais agitado, não conseguiriam dar conta de acompanhar. Cada uma das atrizes, demonstra
em algum determinado solo, reações mais adversas e imprevisíveis acerca do sentimento que
permeia toda uma sensação de perda.
Não é fácil poder se identificar com apenas uma situação, pois todos somos peças chaves de toda uma trama envolvente que ocorre nessa peça. Nos tornamos amigos de uma pessoa que nem no palco surge, aprendemos a ter carinho, respeito, saudade, raiva, amargura e muitas outras sensações e sentimentos por ela.
Lidar com sentimentos é o que nos faz únicos, é isso o que a peça nos mostra em muitos instantes. Três amigas que se apoiam, que se amam e que buscam resolver diferenças, que antes poderiam nem ser percebidas, mas que surge com força total, após uma tragédia totalmente inesperada.
A peça nos guarda algumas surpresas que aparecem a cada momento, inclusive ao término, com o cenário, que nos faz entender que essas atrizes são o que são, pois merecem. Após assistir "Nômades", você passa a esperar sempre o melhor de cada futura peça que você verá pela sua vida, pois elas se entregam, se desgastam, se extinguem, vão aos seus limites mais profundos e íntimos, para poder expressar tudo aquilo que o ego e a vaidade de muitas atrizes não as permitem mostrar, mas que essas mostram, pois se despem e se eximem de toda e qualquer culpa.
Um fato importante nessa peça, que é percebido e comentado por todos que assistem, é que há uma grande sensibilidade e generosidade entre as atrizes, que parecem servir uma de escada para a outra. Sem a vaidade de roubar cena ou fazerem de seus momentos solos, melhores que os das outras e sim, buscam dar mais visibilidade às suas partners. Tanto Andreia, quanto Malu e Mariana, todas são partes importantes de toda e qualquer cena dessa montagem teatral.
Para terminar, eu preciso deixar bem claro, que essa peça mexe tanto com quem assiste, que ao mesmo tempo que se ri de algo, também pode-se chorar muito, é um choque de sentimentos e um pensamento profundo para dentro do mais íntimo do ser.
Em várias cenas eu via pessoas chorando enquanto outras gargalhavam.
Os figurinos de Cao Albuquerque e Natalia Duran, assim como o cenário de Fernando Marés, são um espetáculo à parte que nos ajudam a elaborar mentalmente nossas concepções artísticas. Já a direção de Marcio Abreu mostra que um bom teatro de arena, como o Poeira, só pode enobrecer uma produção, se ela for feita com responsabilidade, garra e total crença no talento de seus atores e seu conhecimento em técnicas e habilidades pessoais.
FICHA TÉCNICA:
Dramaturgia: Marcio Abreu e Patrick Pessoa com colaboração de Andréa Beltrão, Malu Galli, Mariana Lima e Newton Moreno
Concepção e direção: Mario Abreu
Elenco: Andrea Beltrão, Malu Galli e Mariana Lima
Direção de movimento: Márcia Rubin
Cenário e objetos: Fernando Marés
Iluminação: Nadja Naira
SERVIÇO:
Local: Teatro Poeira, Rua São João Batista, 104, Botafogo, Rio de Janeiro
Telefone: 21 2537-8053
Horários:Sexta a Sábado: 21hs
Domingo: 20hs
Ingresso: R$80
Foto: Nana Moraes / Guga Melgar: Divulgação
João é ator, cantor, mas descobriu-se crítico e aí sim viu que suas opiniões poderiam ajudar muitas pessoas a se decidirem e se descobrirem diante de assuntos dos quais ignoravam, desconheciam ou não davam importância. Participou ativamente de projetos de cinema e teatro, fez um blog de filmes temáticos LGBT. Em breve irá lançar um livro sobre como explorar bem Enredos Carnavalescos.