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sábado, 15 de novembro de 2014

Choque Rosa: O que está por trás dos filmes LGBT?

Em Neon: sábado, 15 de novembro de 2014



É costume, quase hábito: assistir a um filme com temática LGBT e sair chorando, isso quando o filme é sério ou, sair rindo, quando trata-se de comédia a la "Gaiola das loucas", apenas recentemente temos encontrado alguns poucos filmes com "finais felizes".  Isso poderia não significar muita coisa, claro que poderia, mas sabemos que não. O cinema (e essa não é minha especialidade) é uma espécie de linguagem, é como nos disse Gilles Deleuze (foto) em "O Ato da Criação", um bloco de imagem-movimento, um conjunto desses blocos que se organizam segundo "uma mão" ou segundo conceitos pré-determinados. O filme orienta-se, portanto, por elementos que garantem a continuidade, o correr da história, a narrativa, elementos de ligação. Obviamente, tais elementos, são constitutivos de linguagem, e portanto, possuidores de uma informação já interpretada, um conjunto de palavras de ordem, que compõem um imaginário, uma simbologia, que compõe um "ser" para as personagens e suas vidas.

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O filme, ou seja, os blocos de imagem/movimento, uma vez criados, passam a pertencer a seus interlocutores, que perceberão ali, os elementos constitutivos explícitos e os discursos que organizam aquela narrativa. As imagens interligadas, irão, necessariamente, dialogar com as imagens e agenciamentos de poder, vistos pelos olhos dos interlocutores.  Aquele filme já não pertencerá a quem o "criou", mas a cada uma das subjetividades que o assistem.  Suponho, que o ato de fazer um filme, neste caso, leve em conta os agenciamentos dos interlocutores, sobretudo, quando se planeja que o filme seja vendável ou assistido por um público em específico.

Os filmes com temática LGBT são, como qualquer outro, blocos de ação movimento, realizados em um espaço-tempo que emerge do real não cinematográfico, ou seja, da vida no mundo. E como é a vida no mundo se não eminentemente trágica pra a população LGBT? Com raras exceções, o processo de descoberta, de assumir-se, de tornar público o seu desejo por anos compreendido como bestial, ainda mais doloroso este processo quando se trata das travestis, sobretudo aquelas que são também marcadas pela pobreza e pela necessidade de prostituir-se e submeter-se, vistas pelo mundo como abjeção, ou então, quando "aceitas" pela sociedade transformadas em esteriótipo, o ser do qual rimos, o gay que vive da fixação por pênis (vide a casa de Robbin Willian em o "Cruzeiro das Loucas"), que "caça" o sexo em becos escuros, ou que é o bobo da corte heterossexista de seus "amigos".

No cinema, os gays, as relações homoafetivas são, geralmente, tratadas em dois extremos: cômicos ou trágicos. A questão é: Há, no filme, enquanto tipo de discurso, poder de produzir esteriótipos? Há, no filme, além da comoção gerada, como por exemplo em " Prayers for Bobby" (Foto) ou "À Cause d'un Garçon", o poder de produzir exclusão?

Aqui relembrando Foucault, no documentário "Foucault par lui même" percebemos que na produção da ciência, e eu me tomo o direito de estender o conceito e dizer  "na produção da arte", como as coisas se tornam um problema? Ou seja, como são escolhidos os temas, os objetos de estudos, a coisa sobre a qual construiremos um discurso? E o que nos diz esse discurso?  No caso dos filmes LGBT percebemos que eles nos dizem no máximo algumas mensagens:

1-) Assumir-se será tão doloroso que você poderá ser expulso de casa, que poderá entrar em depressão, prostituir-se, tornar-se um doente. Assumir-se poderá destruir toda e qualquer ordem em sua vida e, quem sabe, levá-lo ao suicídio;

2-) Assumir-se pode levá-lo a aceitação familiar, mas para isso, você precisará romper com as expectativas da tirania emocional de seus pais, você trará sofrimento a eles e sua família;

3-) Seus amigos se afastarão de você, deverá buscar um novo círculo de amigos, "anormais" como você;

4-) Você pode terminar morto se lutar por seus direitos ( vide filme "Milk- A voz da Igualdade");

5-) Viver seus afetos pode levá-lo a morte e a perdas financeiras ( vide "O Segredo de Brokeback Mountain");

6-) Você poderá ser o solitário palhaço que diverte sua turma de amigos;

7-) A comoção causada no público não-LGBT dificilmente ( salvo raras exceções) irá superar o preconceito, afinal, a relação que o interlocutor estabelece com o filme é uma relação de "pacto ficcional", o "outro" do filme está distante, não tem relação com nossa realidade.

Os filmes LGBT, quando centram-se nas relações homoafetivas caminham no sentido de sua exploração fetichizada. É claramente importante que nos vejamos representados nestes filmes, mas eles não podem dialogar com nossa subjetividade dizendo que nossa condição pode  "destruir nossas vidas", essa é uma forma de produzir verdades. Além, é claro, dos filmes que negam a possibilidade de amor, por exemplo, em "À Cause d'un Garçon" (foto) quando o personagem Vincentt revela-se desejando mais que simples sexo, e vê que seus sonhos são cortados. É sexo, sexo, sexo, casualidade. Representam, muitas vezes, a impossibilidade de amar, como se a homossexualidade fosse sinônimo de uma vida de solidão.

Este texto não pretende dizer: Não façamos ou não assistamos filmes com temática LGBT! Não! Quero dizer: Vamos produzir filmes que dialoguem com as possibilidades de superação de nossa condição de subalternidade. Filmes que possuam, não apenas belos gays brancos, ricos e heteronormativos, mas gays negros, pobres, travestis. Quero ver filmes em que eu me sinta representado. Quero filmes de ação em que o herói seja gay. Quero filmes de todos os gêneros, quero que tenhamos a normalidade de ser. Não quero que os  filmes com temática LGBT devam ser assistidos no computador, escondido dos pais. Estamos em todos os lugares, então porque não podemos estar em todos os lugaremos no espaço-tempo cinematográfico?

Imagens: Internet

Por: Fernando Vieira

Fernando, tem 23 anos é gay genderfluid, ativista LGBT, professor de Língua Portuguesa, e atualmente dedica-se aos Estudos de Gênero da Teoria Queer. Tem influências de Deleuze e Foucault, e lhe agrada Slavoj Zizek e Lacan. Busca simplificar o obscuro jargão pós-moderno, e deseja, com seus textos, propor reflexões que possam produzir caminhos.
 
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