Querer rever gênero e sexualidade utilizando a “neca” (termo utilizado para definir pênis no meio LGBT) como mote para fazer poesia foi o desafio que se impôs Moisés Guimarães, roteirista mineiro autor de “Neca Faloônica”. O autor se inspirou na linguagem de gueto que a comunidade LGBT do Brasil, principalmente dos grandes centros urbanos como Rio, São Paulo e Belo Horizonte, utilizam para nomear o falo masculino. Curioso foi descobrir que existe um dicionário com todos os vocabulários – o bicholês – que fazem a comunidade LGBT estabelecer um dialeto único e rico, ressignificando-se o papel social desses atores.
"Neca Faloônica" é a estreia na poesia desse autor mineiro de 38 anos que nasceu em Divinópolis, Minas Gerais e que radicou-se no Rio. Leitor assíduo de sua conterrânea Adélia Prado, de quem tem profundo respeito e admiração, Moisés Guimarães sofreu grande influência da poesia do também mineiro Affonso Romano de Sant’Anna e de Ferreira Gullar, precursores, por assim dizer, do seu processo de criação. “Sempre gostei do tom político, inquietante, quase doutrinador, que os poemas de Affonso Romano de Sant’Anna causavam - e ainda causam - em seus leitores. O processo métrico e meticulosamente articulado por Gullar em sua poesia, também me serviram de base para pensar o ritmo como força motriz da poesia. Impossível não associá-lo ao ritmo, a musicalidade que o texto pede, são coisas, a meu ver, indissociáveis”.
O livro "Neca Faloônica" ganhou recente versão bilíngue pela Editora Metanóia e pode ser encontrado facilmente na livraria Cultura ou no site da Amazon do Brasil. O leitor conhecerá personagens fortes como Gerusa, o homem pedra-sabão e verá sob as lentes do roteirista da peça teatral “A peruca loura de Álvaro Campelo” um outro Calígula, em que seu poder se encontrará premente em seu falo-power.
Moisés Guimarães em noite de autógrafos na Livraria Cultura |
“Na noite, suas formas delineiam,
Incitam!
Salientes mastros buscam liberdade
em calças jeans sem calibragem.”
(fragmento de Divinas da Noite, por Moisés Guimarães).
O livro tem prefácio assinado pela travesti espanhola, Dália Von Monfort e conta ainda com comentários do Prof. da Escola de Biblioteconomia da UniRio, Fabrício Silveira. Polêmica entre seus pares, Monfort aceitou o convite para o livro por ser uma “bandeira dos direitos humanos”. Num dos trechos do prefácio, Monfort afirma que esse fascínio que o falo exerce sobre os povos foi apropriado por diversos estudiosos para entender como nos constituímos enquanto seres humanos dentro de uma centralidade de valores e desejos. Monfort possui longa trajetória de amizade com o autor e acredita que seu trabalho poderá ser apreciado por diferentes públicos que se interessam por uma poesia engajada, que não somente a estética que a obra pressupõe.
Incrível a arte de Moisés em poetizar o falo sem vulgarizar, beirar o pornográfico ou algo de mau gosto. "Neca" é de uma leitura gostosa e prazerosa (sem querer fazer trocadilhos). Há um tom de ironia que permeia os poemas de Guimarães em relação aos padrões que limitam as variantes de gênero e de sexualidade. Uma leitura em que coabitam renúncia e liberdade.
"Neca Faloônica" faz parte de uma trilogia poética que compõe conceitos e valores a partir da diversidade sexual. Em 2015 já estão previstos mais dois livros de Moisés: "Quenda, Maria" e "O Mistério da Mona Ocó".
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Confira três poemas do livro:
Neca Delirante
(Moisés Guimarães)
Um volume passeia
Sobre pernas andantes
No caminho para casa
Saliente como antes.
Sinuosa bacante
Espreita ao muro a admirar
A Neca passante.
Do outro lado da rua
Simonini saia-cortada
Acompanha conformada
o manejo que segura.
- É a Neca Delirante!
Neca Delirante!
Que passeia sem comando,
Feito Quixote sem governante!
Num campo ofertante
Arrastadas pela praça
Assinam a brincadeira
Entre bichas, malandros e sapatas.
Neca Delirante!
calças justas lhe faz Creonte
Carvalho-nave, canto rompe:
Serviu bofe, toma a fronte!
Pernas-braços aprazeiam
Dos solteiros-castos que nomeiam
Noite dia de terreiro
Batuque milonga, forasteiros!
E a mão que passeia
Segura a Neca e o que queira
Achas-te, sandália-beira?
Semeia desejo, suor, moleira.
Imprime neste corpo
O uivo, a símile cega aviltante!
Sombreiros do dia,
Neca Delirante!
O Sedutor
(Moisés Guimarães)
Cruzaram-se pela rua.
Cabeças sinalizaram.
Deram uma volta,
Cochichos, disfarce.
Num ponto cego
Entra e sai,
Pára.
um farol de carro,
um poste
face iluminada numa cena forjada.
Cigarro à boca,
Perna cruzada,
Prenunciam o movimento na genitália.
Somam-se galanteios,
Risos descompassados,
Barba entrelaça as mãos ásperas.
Sorriso sedutor
saneiam-se esperanças
do próximo contratador.
Experimento 2
(Moisés Guimarães)
Moças
ostras
rochas
Experimento.
Como monossílabos
No experimento.
Talho retóricas
Descompassadamente.
Fátima chegou?
Recaída
no ressentimento.
Imagens:
Foto dos livros - Eduardo Moraes
Foto do autor - Livraria Cultura
A Redação