Jean Wyllys de Matos Santos (Alagoinhas, 10 de março de 1974) é Jornalista com mestrado em Letras e Linguística pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), professor de Cultura Brasileira e de Teoria da Comunicação na ESPM e na Universidade Veiga de Almeida - ambas no Rio de Janeiro. Em 2004 Wyllys ajudou a criar o curso de pós-graduação em Jornalismo e Direitos Humanos da Universidade Jorge Amado, em Salvador (BA).
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Jean é escritor, tornou-se conhecido nacionalmente após ganhar uma edição do reality show Big Brother Brasil, da Rede Globo, em 2005. O ex-BBB foi eleito deputado federal com a menor quantidade de votos pelo Rio de Janeiro, com 13.016 (0,2%) votos válidos, ele conseguiu a vaga graças ao desempenho do deputado federal Chico Alencar, do seu partido, que conquistou 240.671 (3%) dos votos. Em 2012, no Prêmio Congresso em Foco, Jean foi eleito pelos internautas o melhor deputado federal do Brasil.
Em seu site oficial, o deputado afirmou ser alvo de uma campanha caluniosa, e juntamente com os deputados Erika Kokay (PT-DF) e Domingos Dutra (PT-MA) protocolaram uma representação criminal por calúnia, difamação, falsificação de documento público, injúria, falsidade ideológica, formação de quadrilha e improbidade administrativa, por atos cometidos pelo deputado Marco Feliciano (PSC-SP), por alguns assessores políticos do mesmo, pelo pastor Silas Malafaia, e por algumas pessoas ainda não identificadas. Abertamente homossexual, Wyllys afirma que defenderá os direitos humanos durante sua carreira política.
Eduardo Moraes e Endy Van-Erven ouvindo atentamente as palavras de Jean Wyllys |
Em Neon: O que causa tristezas no Jean?
Jean Wyllys: O fato do nosso sofrimento vem da falta de identificação... quer dizer, você começa a sentir as primeiras atrações por sua identidade de gênero, começa a se firmar e você não tem no mundo referência para aquilo... Então se você não tem mundo, você se sente sozinho!!! Todos nós em um momento de nossas vidas nos sentimos sozinhos. O que é que está acontecendo comigo? Até você descobrir a comunidade da qual você faz parte, quero dizer, eu quando frequentei pela primeira vez uma boate Gay, eu achei que era o paraíso, porque eu vi pessoas iguais a mim. Um lugar onde pessoas não reclamavam do meu jeito. Onde não me olhavam com espanto.
Jean Wyllys: um homem de ideias positivas |
JW: Eu sou a favor da descriminalização da maconha. A regulamentação da maconha é fundamental para o enfrentamento do narcotráfico, das mortes todas decorrentes dele. Eu acho que a gente só pode fazer política pública, para conter todos os danos, os possíveis danos que nascem no consumo de maconha se ela for legalizada, assim como a gente faz no caso do álcool hoje. A gente tem a lei seca, uma série de políticas, para conter os danos do álcool, exatamente porque ele é regulamentado, é legalizado. Eu sou a favor da descriminalização da maconha, por causa do narcotráfico, como forma de proteger o futuro das nossas crianças...
EN : Como é o Jean Wyllys Deputado?
JW: Eu não sou Deputado, eu ESTOU Deputado e estar deputado, traz a ideia de tempo, de limite. Eu estou deputado porque o povo me deu esse direito de representá-lo no Congresso Nacional, mas eu não transformo isso na minha essência e nem quero fazer disso minha essência. Primeiro a gente não pode se apropriar daquele espaço da representação, como espaço nosso. E muitos fazem isso!!! Tem deputados que estão no 14º mandato, e isso é um absurdo para a própria democracia.
EN: Certa vez, você disse: “Em Alagoinhas, vivi abaixo da linha da pobreza.” Chegou a passar necessidade nessa época? Como foi a sua infância e adolescência lá no Nordeste?
JW: Minha família vivia abaixo da linha de pobreza. Nasci e cresci em uma periferia chamada Baixa da Candeia, o nome oficial é Assis Chateaubriand, mas Baixa da Candeia foi o nome pelo qual ela ficou conhecida. Vivia em uma periferia rural, lá tinham muitos sítios onde as pessoas ainda plantavam mandioca no quintal, não tinha água encanada e minha mãe lavava roupa no rio. Foi uma infância de muita pobreza e, ao mesmo tempo, uma infância muito bacana, de ir nadar no rio, de brincar de roda e ciranda, dos festejos do catolicismo popular presentes, como a festa junina. Mas, voltando à miséria, a gente vivia numa situação complicada. Meu pai tinha problema com alcoolismo, então, desde que me entendo por gente, ele não tinha emprego fixo. Estava trabalhando em uma oficina e na semana seguinte já mudava de oficina, por causa da bebida. Isso fazia com que ele não tivesse meios de bancar nossa sobrevivência. A gente dependia muito da ajuda dos outros, de coisas dadas mesmo. Mas não era uma grana suficiente pra criar tantos filhos, éramos sete, mas minha terceira irmã morreu, somos seis hoje.
EN: Você foi para Salvador com que idade?
JW: Saí de Alagoinhas com 15 anos para um colégio interno, que foi um grande divisor de águas na minha vida. Era uma instituição filantrópica, era de propriedade da Cia de Ferro Ligas, que tem na Bahia, chamada Ferbasa. Essa fundação administrava o Colégio Técnico da Fundação José Carvalho, um colégio de excelência com um processo seletivo rigoroso. Por pior que seja essa ideia - porque é uma ideia que flerta com o nazismo, a ideia de formação de uma elite pensante - o colégio tinha esse ideal de formar uma elite intelectual que viesse da pobreza. Aos que passavam, eram oferecidos três cursos: tradutor-intérprete, analista de sistemas, numa época em que informática era para poucos, e técnico em mineração, que era para formar mão de obra para a indústria. Optei por análise de sistemas, e já saí da fundação com um emprego certo num hospital português. Tive formação em teatro, música, cinema, oratória, cheguei em Salvador pronto para o vestibular. Fiz a prova para três universidades: a católica, a estadual e a federal, passei nas três. Então, optei por fazer jornalismo. Antes de ir para a fundação, o que me ajudou muito foi a igreja, ela foi muito importante pra gente (Jean e irmãos).
EN: Qual a sua orientação religiosa, hoje? Ela existe?
JW: Tenho uma religiosidade, não tenho uma religião. Depois desse período em que me engajei, me associei à Pastoral da Juventude Estudantil, e quando entrei na fundação quebrei esse vínculo com a igreja. Chegou um momento em que eu comecei a questionar, porque, óbvio, o desejo já se fazia presente na minha vida, o afeto e o desejo, e comecei a questionar os padres sobre isso. O bispo Jaime foi para quem eu perguntei, estava intrigado, queria saber por que a igreja não tratava da questão da homossexualidade.
EN: Qual foi a reação?
JW: A reação do Dom Jaime foi uma reação muito curiosa, ele disse que eu estava perdendo a fé. Entendi que era um limite para mim, que a igreja, embora tenha me dado valores muito bacanas, colocou ali um limite, e coincidiu com a minha ida para a faculdade. Mas já na Fundação, comecei um flerte com o ateísmo. Com a entrada na universidade, e com a leitura do materialismo histórico, de Marx, fui flertando mais com o ateísmo, mas sou baiano e pisciano, não dá para viver num deserto de crença, não dá para não crer. Crer, em mim, é imperativo. Talvez por ter sido criado com uma educação católica, Deus passa a ser uma marca indelével, marcada a ferro e fogo em mim. Você pode até flertar com o ateísmo, mas Ele está ali. Eu lembro, aqui, do João Cabral de Melo Neto rezando quando estava morrendo. O ateu mais convicto rezou no momento da sua morte. Então, não conseguia viver num deserto de crença, e encontrei nas religiões de matrizes africanas um lugar no qual poderia recompor a minha relação com o sagrado. O candomblé sempre rondou a minha vida porque a família do meu pai é ligada ao candomblé, minha avó Rosa era rezadeira, tinha um altar de santos vestidos que me fascinava e, ao mesmo tempo, me dava medo por causa da educação católica que tive. Tinha um fascínio pela tatuagem que ela tinha no braço, uma estrela de Davi. Ela não era judia, o fato de ela ter uma estrela de Davi tatuada era tão somente porque a estrela era um símbolo pagão anterior ao judaísmo. Na Baixa da Candeia, como uma grande periferia, tinha muito terreiro de candomblé. Os terreiros foram banidos para os lugares mais distantes, religião de negro e de pobre tinha que ser banida dos centros.
Endy Van-Erven, colunista Em Neon e Jean Wyllys abraçam ideias semelhantes |
EN: Sua família era conservadora e católica; como foi sentar para conversar e explicar a sua homossexualidade? Foi para sua mãe que contou primeiro?
JW: Na verdade, foi para meu irmão. Minha irmã foi surpreendente, ela falou: “Eu sempre soube e isso não muda nada”, achei muito bonito. Meu irmão também disse algo parecido, mas, com ele, eu temia mais. Sempre fomos ligados, temos um ano de diferença de idade, ele é hétero e eu sou gay, temia que ao dizer isso houvesse um afastamento, mas não houve. Com a segurança que os dois me deram, pude falar para a minha mãe com tranquilidade. Lembro dos olhos dela marejando, ela chorando, mas minha mãe sempre confiou em mim, porque assumi o papel de arrimo de família muito cedo, aos 10 anos. Meu pai estava vivo, mas conversei só com minha mãe, não conversei com ele. Quando disse pra ela, tinha acabado de entrar na Fundação, e como entrar lá era um prestígio muito grande…
EN: Você ganhou um reality show, ficou rico e se tornou repórter de um programa de TV. Em que momento você falou: “Quero ser deputado”?
JW: É assim, a política sempre esteve na minha vida, antes de tudo isso que você disse.
EN: Mas, discutir política e ser politizado é diferente de tomar um impulso e dizer: “Agora quero ser personagem dessa política”.
JW: Confesso para você que nunca pensei em ser um representante eleito, em nenhuma das esferas. Como sempre fui um garoto falante, e bem falante, as pessoas diziam: “Esse aí vai ser advogado ou político”. E eu dizia: “Não, eu vou ser jornalista”. Tenho a ideia que eu queria ser jornalista desde os 12 anos, e me tornei jornalista. A política sempre esteve na minha vida, essa agenda de movimentos sociais entrou na minha vida muito cedo, e sempre fui engajado politicamente no movimento pastoral. Quando cheguei em Salvador, entrei no movimento homossexual, porque não tinha o movimento LGBT, não tinha esse nome ainda.
Bom, aí venci o Big Brother com 50 milhões de votos na final, e com todas as características que eu tinha: nordestino e gay. Então, após o programa, chegou um momento em que precisei entender o que fazer desse legado. Quem me chamou e falou que esse legado poderia ser convertido numa representação política foi ACM Neto, Aloízio Mercadante e Heloísa Helena. Três figuras diferentes, de três partidos diferentes e de três ideologias diferentes. Mas todos identificaram em mim um potencial representante eleito.
EN: Quais os projetos para 2015?
JW: Em 2010 apresentei todos os projetos, e todos eram de questões polêmicas, onde defendo as minorias, para 2015 preciso continuar o que comecei, para que de fato eu possa dizer que nós conquistamos e progredimos.
Eduardo Moraes e Maurício Code, idealizadores do Em Neon, abraçam as causas de Jean Wyllys |
JW: Isso é a pergunta mais difícil... É difícil me definir assim, porque eu acho que ninguém pode responder quem é... É algo mais profundo, todos nós somos obra em progresso, umas mais prontas, outras não. A gente só para de progredir quando a gente morre, é o termo das relações... acho que todo mundo é capaz de mudar nessa vida, todo mundo é capaz de ter uma segunda chance e que todo mundo é capaz de errar. Eu não quero me colocar nunca como o dono da verdade, como senhor das certezas, eu não quero me colocar jamais como alguém pronto. Sou alguém com arestas como todo ser humano. Eu tenho as minhas arestas, os meus defeitos, os meus erros. Mas, ao contrário de muitos seres humanos, eu tenho consciência disso. Eu procuro lidar com isso o tempo inteiro, com meus defeitos, com os meus erros, com aparar minhas arestas. Eu não sou uma pessoa que fica afirmando ou negando que tem isso ou aquilo. Para que a gente seja melhor, a gente vai ter que reconhecer o que há de defeito em nós. Então nesse sentido eu sou um cara buscando ser melhor cada dia, e não ser melhor só pra mim, mas ser melhor também para os outros. Eu quero ser melhor cada dia pra eu espalhar benefícios, mesmo!!! Eu conduzo minha vida neste sentido, eu sou uma pessoa boa de coração, eu não faço mal a ninguém. E se por ventura eu fizer mal a alguém, sem eu querer, sem eu ter consciência disso, e eu souber depois, eu vou reparar esse erro de uma forma ou de outra. O sofrimento alheio é uma coisa que me incomoda. Eu sou um cara de fato preocupado com o sofrimento do outro, Existe aqui dentro um professor sedento de conhecimento e com prazer de partilhar conhecimento, esse sou eu.
Fotos: Eduardo Moraes e Maurício Code
A Redação