Esse texto simplesinho a seguir foi do Recado, minha coluna na G Magazine, faz 12 anos. É de abril 2002.
Foi um mês no qual estávamos eu e toda equipe da G muito decepcionados com o preconceito na telinha. Veja se algum de vocês lembra desses fatos, se assuste com eles, até ria gostoso ou lembre de outros semelhantes. Talvez possamos rever os fatos atuais da TV, com olhos mais benevolentes(ou não)!
Velhas e novas de nossa fabulosa TV...
(Publicado em abril de 2002 na revista "G Magazine")
E continuamos falando em preconceito! Disfarçado, negado, às vezes engolido em seco formando um nó na garganta, ou ignorado com um sorriso de dor: falo da maneira velha e metida a ser engraçada que ainda ocupa espaço em horários nobres de nossa TV. Essas velhas brincadeiras entram sem vaselina em nossas casas, de forma tão palatável que até os próprios atingidos riem de si mesmos, sem se dar conta de que o humor fácil e medíocre traz consigo o reforço do velho preconceito: ser normal ainda é ser hétero . Não sou louca (louca por TV), mas cumpro meu compromisso diante da telinha, e juro que fico torcendo para que passe uma ou duas semanas sem eu ter de ouvir pérolas do mundo dos “espadas”. Pérolas resistentes como as milenares e sujas baratas que vivem de nosso lixo. De difícil extinção. Parece exagero? Mas não é não! Devemos gritar nosso desconforto com o preconceito difundido em horário nobre. Exemplos? Sabe, eu tenho um péssimo defeito, a memória emocional invejável (como, aliás tudo bem emocional como dizem os críticos). Por isso isso não guardo detalhes de dias, datas e hora dos fatos - apenas fica a sensação de um soco no estômago, um tranco na inteligência. Me lembro, por exemplo, do primeiro programa de Marcos Mion na Band, o “Descontrole”, quando ele, além de lembrar da possível homossexualidade do moderníssimo Topo Gigio, com uma cara de quem estava descobrindo a pólvora, ainda nos brindou com algumas desnecessárias insinuações sobre a sexualidade de Supla. Lógico, tudo em tom de bricadeirinha, me entende? Coisa de macho super-resolvido. O que será que leva tanta gente a ter essa fixação no assunto, hein? Vira e mexe ele leva a platéia a “Ele é gay, Ele é gay”, referindo-se a personagens feios, sujos e malditos que aparecem por lá. Ah, essa fixação! Outro dia, na maravilhosa Casa do Artista II, Silvio Santos atende a uma ligação telefônica de um telespectador para votar a saída de um dos participantes, o telespectador diz que escolhe o Lulo pois ele seria meio gay! E ainda pergunta ao Sílvio Santos o que ele acha , SS meio titubeante, diz que hummm... bem, eu não ficaria sozinho com ele. Por que, hein? Gays dão medo? Convencem os outros a serem gays também??? Por que pessoas tão poderosas da nossa mí¬dia perdem a oportunidade maravilhosa de, ou ficar quietos ou então colaborar para a diminuição a tão e cruéis preconceitos que ainda existem em nossos dias? Tanto Marcos Mion, como Ratinho e mais ainda o inigualável e genial Silvio Santos podem e devem melhorar o nosso mundo. O apresentador não precisaria responder mal ao telespectador que deu seu “inteligente” parecer para tirar Lulo do programa, mas ele poderia ter questionado, em tom leve, se isso era motivo pra tirar alguém. Fico imaginando as mesmas cenas usando outro tipo de preconceito. Por exemplo, Marcos Mion dizendo em tom de humor: sempre desconfiei que Sílvio Santos fosse judeu, por isso é tão rico! Ou então o Silvio Santos atendendo um telespectador que eliminaria o Xis porque é meio preto? Será que todos ririam da brincadeira? Ou seria muito chocante? NÃO pensem que eu acho que o preconceito contra negros não existe mais, apenas ninguém mais se mete a besta de brincar, pois temos leis e jurisprudência que os protegem . Dizem as más línguas que o casal gay da novela das sete da Rede Globo terminará separado, e que um deles voltará a ser hétero... Bem, só em novela mesmo! Mas será lastimável, mais uma vez. Depois, ficam dizendo que alguns ativistas do movimento gay são chatos e reclamam de tudo, não é Luiz Mott? Esse livre preconceituar na televisão também deveria ser proibido por lei, para que, na porrada, todos aprendessem a respeitar a diversidade do ser humano. Em compensação, algo novo vem surgindo na telinha. Luciana Gimenez e Monique Evans abrem sempre as câmeras à diversidade. E juro que não parece hipocrisia! Parabéns meninas, isso que estão fazendo é nota 10! Assim como Adriane Galisteu que, mesmo dentro de seu estilo Rede Record, trata com dignidade as mais diversas faces de nossa sociedade. Bem, o que mais de novo? Ah, e a MTV? Voltará com seu vitorioso Fique comigo Gay? Esperamos, não é mesmo? Mas, enquanto o novo não chega espontaneamente, é preciso bater mais pesado nas velhas fórmulas que parecem ainda fazer sucesso.
Um abraço bem humorado da
Ana Fadigas
E você como pensa sobre nossa TV atual, depois do Félix de Walcyr Carrasco, por exemplo? Assim, mesmo doze anos após, será que podemos dizer que o preconceito na TV está quase no fim?
Ana Fadigas é paulistana, leonina, mãe e avó. Publicitária, Jornalista, Editora e Terapeuta formada nas escolas da vida e pela vida em mais de 35 anos de mercado de Comunicação.