Todo mundo viu. Todo mundo falou. Rendeu até material para as revistas de fofoca. “Amores Roubados”, a minissérie de George Moura, exibida em janeiro na TV Globo, foi um grande sucesso. A trama policial temperada com cenas de amor ardente eletrizou a audiência.
Também fiquei eletrizado com o ótimo enredo, com a bela fotografia e com o inspirado elenco. Mas “Amores Roubados” vai ficar na minha memória por ter me apresentado um novo poeta: o pernambucano Joaquim Cardozo (1897-1978).
Joaquim é autor daquela belíssima poesia que Leandro (Cauã Reymond) usa para seduzir Isabel (Patricia Pillar). Todo mundo viu. Todo mundo falou. Mas poesia linda, sempre vale à pena repetir:
“Eu não quero o teu corpo,
Eu não quero a tua alma,
Eu deixarei intato o teu ser, a tua pessoa inviolável,
Eu quero apenas uma parte neste prazer,
A parte que não te pertence.”
Depois dessa promissora degustação, fui em busca de Joaquim Cardozo. Descobri que ele era da turma de Manuel Bandeira e João Cabral. Descobri que publicou vários livros entre 1946 e 1975. E que foi também o engenheiro responsável pelos cálculos que permitiram a construção de diversas edificações de Oscar Niemeyer, como o projeto arquitetônico de Brasília.
Encontrei várias poesias de Joaquim Cardozo na internet. Versos lindos, falando de amor, de natureza e quase sempre tendo como fundo o cenário agreste. De tudo quanto encontrei, nada me comoveu tanto como esse “Chuva de caju”:
“Como te chamas, pequena chuva inconstante e breve?
Como te chamas, dize, chuva simples e leve?
Teresa? Maria?
Entra, invade a casa, molha o chão,
Molha a mesa e os livros.
Sei de onde vens, sei por onde andaste.
Vens dos subúrbios distantes, dos sítios aromáticos
Onde as mangueiras florescem, onde há cajus e mangabas,
Onde os coqueiros se aprumam nos baldes dos viveiros
e em noites de lua cheia passam rondando os maruins:
Lama viva, espírito do ar noturno do mangue.
Invade a casa, molha o chão,
Muito me agrada a tua companhia,
Porque eu te quero muito bem, doce chuva,
Quer te chames Teresa ou Maria”.
“Chuva de caju” é profundamente lírico e cinematográfico. Como não se enxergar dentro dessas linhas? Quantas vezes a chuva não me pegou de surpresa pela rua? Tantas vezes fiquei imaginando de onde ela vinha e para onde ela ia.
Quantas vezes a chuva que caiu não tinha um nome? Chuva amorosa. Chuva de múltiplos nomes. Como Joaquim Cardozo, também quero muito bem essa chuva que cai. Tantas vezes, ela cai quando mais preciso dela, porque também às vezes estou seco como a terra do sertão. Porque tantas vezes tenho sede de parar para ver a chuva cair. Porque sempre que ela cai alguma coisa antiga acorda dentro de mim. Chuva sempre vem cheia de sentidos.
De “Amores Roubados”, roubei Joaquim Cardozo e sua “Chuva de Caju”. Não importa como a gente a chame, a poesia de Joaquim Cardozo merece ser lida, falada, compartilhada, replicada, cutucada. Doce chuva, “muito me agrada a tua companhia”.
Por: Tarcísio Lara Puiati
Tarcísio Lara Puiati é poeta, dramaturgo, roteirista e diretor. Realizou filmes de curta-metragem premiados como “Cowboy” e “Homem Bomba”. Em 2013, lançou o livro “Rabiola”, pela editora 7Letras. É autor da Rede Globo de Televisão, onde colaborou em “O Astro”, de Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro, premiada como melhor telenovela no Emmy Internacional 2012. Faz parte da Companhia de Teatro Íntimo e da produtora Caju Cinema.